segunda-feira, 17 de agosto de 2009

ENTROPIA

Ao seu lado o telefone tocava incessantemente sem que ela pudesse atender. Ela havia quebrado o ciclo habitual das coisas e estava naquela posição incomum sobre o chão cinza daquela cidade escura. A cor de sua boca espalhava-se por todo o seu corpo. Ainda tinha clara em sua mente o som da última sinfonia: o cantar dos pneus. Mas o sentido de tudo aquilo ainda se mostrava ausente, e apesar do vento frio, seu corpo permanecia quente. Guardava também certa umidade vermelha entre os cabelos negros. Multidões desconhecidas ajuntavam-se a sua volta, e ao lado, entre murmúrios e condolências, sinais de cruz e olhos de piedade, ainda podia perceber ao longe o toque insistente, como que presságio da tragédia a alguém anunciada, e de fato, consumada. Vislumbrou pela ultima vez alguns clarões já disformes, algumas copas de árvore, alguma farda a apoiar-lhe a cabeça e prédios maiores e mais longos do que pensava ser. Só não conseguiu saber se os pequenos fragmentos de luz eram estrelas ou reflexos de olhos marejados. Tudo era muito longe, tudo era muito perto. Desprendeu-se das interrogações, respostas e significados, elevou-se entre as nuvens, assistindo do alto o desfecho daquela imprudência. Queria saber o que seria feito daquele corpo inerte, não mais imbuído de emoções. Seria recolhida à história, e tudo que em vida adornada e cuidara, agora tornaria poeira lançada ao vento.
Uv.

3 comentários:

  1. Nu...
    Amei o final.
    Dá para fechar o olho e imaginar do jeitinho que você descreve as coisas. Imaginei o frio que a personagem sentiu.

    Ah Ultraviolet, tão denso, tão poético, tão triste...

    Amei mesmo.
    Beijo!

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  2. Envolvente, penetrante e imaginário.
    Parabéns vc escreve muito bem.
    BjOs^^

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