terça-feira, 24 de novembro de 2009

LUA NEGRA

Ela, na viração da tarde, sob a luz crepuscular que lhe conferia beleza austera e suprema, vislumbrava o horizonte sonhando com as cores do dia, mas vendo chegar a noite. Noite escura, sem lua, quando as feridas da privação são curadas com o pecado. Ela era parte disso. Ela rememorava os fracassos em deja-vús. Ela relia linhas educadas pra falar sobre abandono. Ela foi deixada. Ou talvez tenha ido embora. Não, o paraíso não lhe pertence. Ela é produto do caos. A perfeição lhe atordoa e confunde. Ela quer mais. Viveu muito tempo no deserto. Buscou refúgio no Inferno. O menino com nome de anjo tentou salvá-la, mas por fim perdeu a esperança. A sua luz não foi suficiente pra devolver-lhe à vida. Suas palavras não puderam libertá-la. Então se foi. Melhor se afastar. Ela era fascinante, complexa, frágil e forte. Precisava de proteção, mas era insubmissa. Rebelde por natureza, a ela foi negado o brilho das estrelas. Ela estava condenada. Ele não compreendeu. O anjo tentou livrá-la e quase se perdeu. Então, como último aviso luminoso, optou-se pelo frio da diplomacia. A esta altura as maldições já foram todas rogadas. Um acordo. O anjo se afasta, ela simplesmente aceita. Ah, anjo bom, dotado de todas as graças do Grande Arquiteto. Porque pousar os olhos sobre tal criatura profana? Ela é indecisa, insegura e má. Mas com o júri certo, pode ser absolvida. Um dia eles se encontrarão denovo. Ele nos braços de Eva. Ela, maculada e eterna.


Ultraviolet.



segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Ela tinha nas mãos as chaves do paraíso, mas não sabia como usar. Talvez fosse a porta muito difícil de encontrar, porque ficava em algum lugar do inferno. É... O inferno dela tinha essas rotas de fuga, só que não era fácil chegar lá. Agora ela se sentia estranha, a sensação era de derretimento, apesar de não estar tão quente assim. Era como se tivesse se integrado ao ambiente e fosse parte da natureza em volta. O ar... Era toda feita de ar. Era gás, mas não tão leve a ponto de flutuar. Densa. Não media pensamento. Se entregava totalmente ao momento. Talvez algum dia retomasse a forma. Quem sabe fosse mulher. Quem sabe tivesse em si algum veneno que renova.
Uv.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

AMIGO SEM FORMA

A cortina de contas revelou um ambiente extraordinário. A sala aconchegante, com paredes cobertas por cores, máscaras, tapetes e quadros. Cinco continentes em pouco espaço. Eu estou ali experimentando o poder de lugares mágicos. Você junto a mim, guiando meus passos. Sem titubeio, seguro e forte, inatingível ao meu alcance. Não importo que conduza a conversa. Meu silêncio é admirativo, me coloco sob sua tutela. A proximidade é inevitável. Aguça os sentidos esses olhos que enxergam através de mim e os lábios aptos a me contar passado, presente e futuro numa linha contínua, não separados por primaveras e invernos. Intuo do que você é capaz. Palavras não são necessárias. Nesse momento a mente está vazia, nada pode me tomar de assalto. Não há como haver sobressalto. Ponha-se a me despir enquanto coajo a timidez. E então, desprovida de mistérios diante de ti, assisto a morte do meu orgulho e o renascer dos sonhos ocultos. Você me toma no colo, me leva a outro ambiente. Sinto sua voz no timbre e ritmo das batidas do meu coração enquanto me acomoda nos braços dos deuses. É só a sua cama quente e tão familiar. A sua maestria me instiga. Meus medos fugiram atordoados. Ficamos nós. Toque meus chacras buscando o prazer. Meu corpo é luz, não o faça anoitecer. A menina pode dar vida ao homem. Ele pode fazê-la acreditar que o que não sabe, pode sentir de alguma forma.
Ultraviolet.

domingo, 1 de novembro de 2009

Ondas de vento invadem meu pensamento
Trazendo restos de outro tempo
Quando dor, pesar e alegria
Nada mais simples euforia
Habitavam pacificas o caos
O mar revolto do meu ser
Que não se entrega a mero prazer
Não move correntes nem revela os mortos
Navego somente por caminhos tortos
Na alma, misto de som, fúria e calmaria
Desejos apresentados como finas iguarias
Coexisto com sombra, luz e solidão
Sofro do pior tipo de alucinação
Mas não me perco em meio à bruma
Talvez toda eu seja feita apenas de espuma.


Ultraviolet.