Um dia ela acordou quente
numa manhã fria, enrolou-se ao máximo em cobertores macios, desejando alguém
pra se enrolar nela também. Não tinha. Estava sozinha na cama pequena. Não
desistiu por isso. Continuou ali, a mente criando cenas, temas, dilemas. Pessoas
impossíveis, inexistentes, personagens perfeito em seus desfechos. Não era
suficiente. Porque ela permanecia quente na manhã fria, não pelos macios
cobertores de bichos, mas dentro, interno, desejo pulsante no baixo ventre. Ela
estava sozinha. Inusitado era ela ter alguém, mas ainda assim estar sozinha,
ainda sim ser vítima do calor que vem de dentro de quem tem urgências. Insatisfeita
(para ela). Insaciável (para ele) que sempre andava muito ocupado. Que sempre
tinha outras prioridades, que se achava muito garantido pelo amor dela. E ela
com tão pouco. Levantou, depois de fantasiar não com quem existe, mas com quem
precisou criar (era fácil para ela criar personagens e situações fictícias),
ligou, bateu o telefone com força, ficou com raiva, com tanta que resolveu se
mover pra dissipar. Limpou o quarto, leu artigos necessários, mudou a cor das
unhas. Dormiu mais um pouco. Viu novela e um programa na TV. Tudo pra ocupar,
tudo pra espairecer. Mas as músicas
ainda vinham a sua cabeça. E a vontade de dizer “basta!”, ao fim da noite já
deu lugar a uma espera. Poderia ele ainda aparecer? Ainda viria? Tomaria conhecimento
da sua necessidade? E ela estaria disposta a aceitar? Agora o dilema era
sustentar a postura forte ou derreter de vez nos braços de quem era relapso.
Ela tinha urgência. Ele nem sequer imaginava. Ainda vagava em universos
distantes da realidade do gênero dela. A noite acompanhou a manhã e seguiu
fria. Agora, resta a ela se enrolar bem mais nos quentes cobertores macios de
bichos, e se conformar em só receber calor deles, e talvez até adicionar mais
um, porque agora o frio vem de fora e do seu interior também. Vento e chuva na
janela. Gelo se acumulando dentro dela.
Ultraviolet