Ela terminou de cantar aquela estrofe e ficou imaginando como seria bom se fosse afinada. Não basta só paixão para que as coisas sejam belas. E ela definitivamente não sabia cantar. Então se conformou em ser apenas amante das artes sem, contudo, ser uma artista. Voltou para a mesa e tomou o último gole da sua cerveja importada e não sentiu falta do cigarro. Não fumava mais. Ela era a prova viva de que dava pra parar. Talvez pra ela fosse mais fácil, pois interrompeu o vício no início. Descobriu que aquele caniço recheado entre os dedos não substituiria a falta de certas coisas em sua vida. Então não viu sentindo em continuar, custava caro. E ela não suportava perder dinheiro. Era capaz de agüentar tudo. Suportava a solidão, a chuva na hora de sair, o ar seco do inverno, a comida fria no restaurante, a falta de habilidade pras artes. Tudo, menos jogar dinheiro no lixo. Não... Porque acordava todas as manhãs querendo permanecer de olhos fechados, e ia a um lugar onde não queria mais voltar, pra ganhar algumas poucas notas no fim de um longo mês e voltar pro seu apartamento alugado e viver modestamente, quase feliz em certas horas, senhora de si. Não ia queimar nota e pulmão assim. Sentou no sofá um instante e olhou a estante cheia de livros, todos lidos, e mais que isso, queridos. Fitou o de mitologia, querendo estar em outro lugar. Depois o de psicologia e cogitou uma auto-análise. Durou 3 segundos a idéia: dava preguiça até de começar. Por fim, parou os olhos naquele de poesias. Esse reacendeu uma velha chama. Um antigo desejo, quase dos tempos de criança, em que ela, entre menina e mulher, queria morar em versos. Queria ser o alvo de linhas tortas, se não musicadas, feitas de tinta num papel amassado, obras de olhos apaixonados, capazes de ver além do que se pode enxergar. Talvez assim, da sua dor fosse feito o inverso. Ela queria de um poeta, ser o universo
Ultraviolet.